No processo licitatório, é natural que, quando a administração se depara com uma proposta com um valor sem previsão de lucro, sinta insegurança em aceitar tais condições.
Isso acontece por conta do receio legítimo de, caso o contrato vier a ser assinado, o licitante não tenha condições de concluir a entrega do objeto requerido no edital; com isso, a Administração Pública - e consequentemente a sociedade em geral - sofrerá os impactos negativos decorrente desse descumprimento.
É importante conhecer a legislação e os principais conteúdos sobre o comportamento adequado frente à um valor irrisório e/ou de lucro zero. Com base nesse assunto, vamos abordar as seguintes questões:
1. O que é uma proposta inexequível?
2. Como a Lei nº 8.666/1993 e a Lei nº 14.133/2021 trata a inexequibilidade?
3. Posicionamento do Tribunal de Contas da União e do Judiciário
4. Conclusão
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1 - O que é uma proposta inexequível?
“Inexequibilidade” ou “proposta inexequível” nada mais é do que propor algo que não seja possível cumprir. Ou seja, a partir do momento em que o licitante apresenta uma proposta com um valor inferior ao que ele precisa para entregar o objeto, essa proposta é chamada de inexequível.
2 - Como a Lei nº 8.666/1993 e a Lei nº 14.133/2021 trata a inexequibilidade?
Diagnosticar se uma proposta é ou não inexequível é a parte mais complicada; entretanto, uma vez verificada a inexequibilidade da proposta, a Lei nº 8.666/1993 e a Lei nº 14.133/2021 (nova lei de licitações) dão todo o direcionamento de como proceder. Vejamos o que diz a Lei 14.133/2021 sobre inexequibilidade:
Art.59. Serão desclassificadas as propostas que:
III - apresentarem preços inexequíveis ou permanecerem acima do orçamento estimado para a contratação;
IV - não tiverem sua exequibilidade demonstrada, quando exigido pela Administração;
Além disso, no parágrafo 2º ao 5º do art. 59 da Lei 14.133/2021, em linhas gerais, é determinado como a Administração Pública deve prosseguir para verificar a exequibilidade da proposta apresentada.
§ 2º A Administração poderá realizar diligências para aferir a exequibilidade das propostas ou exigir dos licitantes que ela seja demonstrada, conforme disposto no inciso IV do caput deste artigo.
§ 3º No caso de obras e serviços de engenharia e arquitetura, para efeito de avaliação da exequibilidade e de sobrepreço, serão considerados o preço global, os quantitativos e os preços unitários tidos como relevantes, observado o critério de aceitabilidade de preços unitário e global a ser fixado no edital, conforme as especificidades do mercado correspondente.
§ 4º No caso de obras e serviços de engenharia, serão consideradas inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75% (setenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração.
§ 5º Nas contratações de obras e serviços de engenharia, será exigida garantia adicional do licitante vencedor cuja proposta for inferior a 85% (oitenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração, equivalente à diferença entre este último e o valor da proposta, sem prejuízo das demais garantias exigíveis de acordo com esta Lei.
A Lei 8.666/1993, em contrapartida, estabelece alguns critérios diferentes para identificação de possíveis propostas inexequíveis:
Art. 48. Serão desclassificadas:
II - propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com preços manifestamente inexequíveis, assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente especificadas no ato convocatório da licitação.
§ 1º Para os efeitos do disposto no inciso II deste artigo consideram-se manifestamente inexequíveis, no caso de licitações de menor preço para obras e serviços de engenharia, as propostas cujos valores sejam inferiores a 70% (setenta por cento) do menor dos seguintes valores:
a) média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% (cinquenta por cento) do valor orçado pela administração, ou
b) valor orçado pela administração.
§ 2º Dos licitantes classificados na forma do parágrafo anterior cujo valor global da proposta for inferior a 80% (oitenta por cento) do menor valor a que se referem as alíneas "a" e "b", será exigida, para a assinatura do contrato, prestação de garantia adicional, dentre as modalidades previstas no § 1º do art. 56, igual a diferença entre o valor resultante do parágrafo anterior e o valor da correspondente proposta.
Compreende-se que não basta a proposta do licitante apenas parecer inexequível para que haja a desclassificação na disputa pois é muito ariscado (do ponto de vista jurídico) considerar uma proposta como “manifestamente inexequível”, salvo situações extremas.
Verificado o risco de inexequibilidade, o licitante deve ter a oportunidade de ser notificado para defender a exequibilidade de sua proposta. Ou seja, a recomendação é para que o órgão público proceda as diligências necessárias, conforme art. 59, §2º da Lei nº 14.133/21.
3 - Posicionamento do Tribunal de Contas da União e do Judiciário
Segundo jurisprudência do Tribunal de Contas da União e do Superior Tribunal de Justiça, a razão para necessidade de promover diligências citadas acima é que o planejamento empresarial do lucro da licitante não cabe a Administração Pública, antes, diz respeito exclusivamente a estratégia da empresa.
Por isso, ressaltamos: quando uma proposta parecer inexequível aos olhos do pregoeiro ou da comissão de contratação (e até mesmo aos demais licitantes), ela não pode ser imediatamente descartada, ou seja, não pode ser desclassificada por mera presunção. Senão, vejamos:
Acórdão TCU 906/2020 Plenário (Representação, Relator Ministro-Substituto Weder de Oliveira)
Divergências entre as planilhas de composição de custos e formação de preços da licitante e as da Administração, inclusive relativas à cotação de lucro zero ou o negativo, não são, em princípio, motivo de desclassificação, devendo para tanto haver o exame da exequibilidade da proposta, uma vez que as planilhas possuem caráter subsidiário e instrumental.
Acórdão nº 325/2007
Não há vedação legal à atuação, por parte de empresas contratadas pela Administração Pública Federal, sem margem de lucro ou com margem de lucro mínima, pois tal fato depende da estratégia comercial da empresa e não conduz, necessariamente, à inexecução da proposta.
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, já enfrentou o tema:
Na espécie, a exigência de percentual mínimo relativo à taxa de administração viola o disposto no art. 40, X, da Lei nº 8.666/93, aplicável subsidiariamente à Lei do Pregão, conforme estabelece o art. 9º, pois a fixação de preço mínimo infringe o princípio da República, haja vista que a Administração Pública busca nos certames dessa natureza selecionar a proposta mais vantajosa, razão pela qual, restaria incompatível com a teleologia desse processo seletivo recusar lance de menor valor possível. STJ - REsp: 1638259 CE 2016/0299874-0, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Publicação: DJ 12/12/2016
Conforme analisado, o STJ caminha na mesma linha de interpretação do TCU, visando a garantia da finalidade da licitação: busca pela proposta mais vantajosa.
4 - Conclusão
De fato, não há qualquer vedação legal para margem de lucro zero ou mínima, contanto, que a proposta seja vantajosa para a Administração Pública e o licitante possa ter a chance de defender sua exequibilidade.
Ou seja, a partir do momento em que uma proposta com traços de inexequibilidade for apresentada no processo licitatório, com base legal a empresa licitante deverá ser notificada para comprovar a sua exequibilidade e sanada a dúvida, ela seguirá na disputa.
OBS: Se ficou alguma dúvida, não deixe de nos contatar pelo e-mail: professor@adielferreirajr.com
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