É lugar comum ouvir daqueles que fazem gestão pública o argumento de que não há orçamento para fazer os serviços públicos. Principalmente quando se trata de municípios - já que a diferença orçamentária em relação aos outros entes da federação é muito mais perceptível.
Hoje teremos um exemplo que chegou, inclusive, ao Superior Tribunal de Justiça, que demonstra um problema tão grande ou superior a falta de verbas: a ausência de planejamento de compras.
O "planejamento", embora tenha sido largamente defendido pela doutrina como um princípio do Direito Administrativo, sobretudo, das licitações e contratos, ainda não tem a força que merece nas decisões judiciais. Pelo menos se tomarmos como paradigma o AgInt no REsp 1585983 / PB.
Naquela situação, no interior da Paraíba, foi realizada uma licitação para materiais que possibilitassem os exames necessários para o combate ao câncer de mama no município, conforme pode-se verificar no relatório abaixo:
"Sustenta-se, em síntese, que o ex-Prefeito do Município Cuité/PB realizou a Tomada de Preço 010/2006 para a locação de equipamento para realização de mamografia e uma processadora automática de raio X, com intuito de atender ao Centro de Saúde Mulher. A primeira tentativa foi deserta. Na segunda oportunidade, a empresa Clinimagem Radiodiagnóstico Ltda. foi contratada por 12 meses em 2006, obtendo renovação correspondente a 8 meses no ano de 2007. Os equipamentos foram efetivamente disponibilizados durante todo o período contratual, porém, conforme constatação do Departamento de Auditoria do Sistema Único de Saúde (DENASUS), no ano de 2006, foram realizadas apenas 26 mamografias e, no ano subsequente, passou-se a disponibilizar tal serviço somente no mês de agosto."
Pois bem. Este é um dos casos em que há um dinheiro público disponível, todavia, este é desperdiçado pela falta de planejamento do ente. Em que pese a flagrante ilegalidade cometida pelo Prefeito municipal na falta de um planejamento, os tribunais não verificaram nenhum dolo ou culpa no dano ao erário, nos termos da decisão abaixo:
"Ainda que os equipamentos de saúde locados pelo município tenham ficado sem funcionar durante parte do período em que vigente o contrato, não se vislumbra má-fé do demandado em causar dano ao erário municipal, nos termos em que decidido pelo próprio Tribunal de Contas da União, quando do julgamento da tomada de Contas Especial n° 012.656/2009-5 (fls. 101/106). Ademais, a fim de que haja a aplicação das sanções previstas na Lei n° 8.429/92, requer-se a presença do elemento subjetivo - dolo ou culpa - para que o agente público seja responsabilizado pela prática de ato de improbidade administrativa".
A nova lei de licitação, caso o projeto seja aprovado, colocará no rol de princípios implícitos o princípio do planejamento; o que não deixará dúvidas (mesmo para os mais positivistas) de que a ausência de planejamento será um ato passível de responsabilização por improbidade administrativa - ao menos por descumprimento dos princípios da administração pública previstas no artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa.
Não seria necessário, entretanto, a previsão deste princípio de forma expressa para que se fizesse uma boa gestão, pois princípios não precisam ser expressos, já que estão acima da norma no clássico ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello.
Assim, em tempos de eleições municipais e no mês de combate e de prevenção ao câncer de mama vale refletirmos sobre tais casos, já que num país do tamanho do Brasil, os problemas de gestão pública são bem mais profundos do que a mera falta de recursos.
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