Quando a inabilitação por falta de documento é indevida? (atualizado Lei nº 14.133/21)
- Prof. Adiel Ferreira Jr
- 17 de fev. de 2021
- 10 min de leitura
Atualizado: 7 de mai.
A inabilitação por falta de documento é um dos casos mais comuns em licitações. Mas o fato de ser corriqueiro não significa que está certo todas as vezes.
Nesse artigo, vou demonstrar duas situações em que a inabilitação por falta de documento pode ser considerada indevida na forma da lei, passando pelos seguintes temas:
1 - É possível a juntada posterior de documentos?
2 - O que a Lei nº 8.666/93 queria dizer?
3 - Finalmente... o que diz a Lei nº 14.133/21?
4 - Quando é indevida a inabilitação por falta de documento segundo o TCU?
5 - E aqui vem a segunda situação de inabilitação indevida
6 - Quando o pregoeiro/agente não deve aceitar a juntada de novos documentos?
7 - Como citar esse artigo em suas petições e decisões?
[continua após os avisos]
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1 - É possível a juntada posterior de documentos?
A inabilitação por falta de documento mais comum ocorre porque, geralmente, se aplicava o §3ª do art. 43 da Lei nº 8.666/93 que proibia que o servidor que esteja à frente da licitação (pregoeiro ou comissão), admitisse a inclusão posterior de documento; veja como estava descrito na legislação:
Art. 43. § 3o É facultada à Comissão ou autoridade superior, em qualquer fase da licitação, a promoção de diligência destinada a esclarecer ou a complementar a instrução do processo, vedada a inclusão posterior de documento ou informação que deveria constar originariamente da proposta.
Por sua vez, na Lei nº 14.133/21 (nova lei de licitações e contratações administrativas), o texto mudou significativamente, mas vamos falar disso mais abaixo. Primeiro, vamos entender o que a Lei nº 8666/93 queria dizer e depois vamos conhecer a posição do Tribunal de Contas da União para, por fim, entender como a Lei nº 14.133/21 foi formulada.
2 - O que a Lei nº 8.666/93 queria dizer?
Esse artigo (Art. 43. § 3o da Lei nº 8.666/93) recomendava à comissão/autoridade/pregoeiro a promoção de uma diligência para esclarecer alguma situação ou para complementar (grave essa palavra) a instrução do processo.
Em outras palavras, todos os licitantes tiveram a igual oportunidade de se preparar para o certame pois os documentos exigidos para licitação estão previstos em Lei (que está disponível para todos); desta forma, a Administração Pública disponibilizou o mesmo tempo para os candidatos separarem e organizarem aqueles itens que são considerados indispensáveis.
Ou seja, se houvesse a juntada posterior de documentos que deveriam constar originalmente, por equívoco ou falha, essa diligência seria ilegal. Era o que nos dizia o Tribunal de Contas da União quando analisou um caso concreto em 2018:
"a inclusão posterior de documentos que deveriam constar na proposta original, quais sejam: certidões (fls. 1714-1718 do processo licitatório) e carta proposta (fls. 1953-1954 do processo licitatório) apresentadas pela Empresa Engineering do Brasil S.A. para o PE DJS 8/2017, contraria o disposto no art. 43, § 3º, da Lei 8.666/1993" ACÓRDÃO 1963/2018 - PLENÁRIO
Entretanto, tão somente na busca de esclarecimento ou complementação, novos documentos podem se tornar indispensáveis para o deslinde da questão.
Analise um exemplo:
Uma empresa pode ter apresentado todos os atestados de capacidade técnica exigidos na licitação, porém, caso o pregoeiro questione a veracidade de algum deles, o passo a ser diligenciado é solicitar a juntada das notas fiscais relativas àquela experiência.
Perceba que, nesse caso, a juntada de notas fiscais não era um documento que deveria "constar originalmente na proposta", mas foi juntado posteriormente para esclarecer a veracidade de um dos que já tinham sido juntados.
O Tribunal de Contas da União vai dizer que "tal juntada não configuraria irregularidade, mas praticidade, celeridade e otimização do certame, pois o apego excessivo à letra da lei pode acarretar equívocos jurídicos, porquanto que não traduzem seu sentido real." (Acórdão 1758/2003-TCU-Plenário)
Esse foi o posicionamento dominante na interpretação da Lei nº 8.666/93. E para você não achar que esta é só uma construção de um advogado de licitantes, vou citar o meu colega Ivan Ferraz, autor do blog Licita Brasil e um pregoeiro muito experiente:
"caso a diligência promovida pela Comissão de Licitação ou pelo Pregoeiro resulte na produção de documento que materialize uma situação já existente ao tempo da sessão de apresentação dos envelopes, não há que se falar em ilegalidade ou irregularidade" (Fonte: http://licitebrasil.blogspot.com/2017/11/o-pregao-eletronico-diligencia-juntada.html)
Então sempre que o Tribunal de Contas vai decidir a respeito, analisa a situação em si, sem definir uma única posição para todos os casos. Mas de um modo geral, se o documento diz respeito a outro já juntado no tempo correto, a inabilitação por falta de documento é indevida.
O que não pode, segundo a legislação anterior e o texto atual (como se verá a seguir) entretanto, é a empresa esquecer de juntar o documento exigido em lei em razão de “erro” e essa oportunidade ser dada posteriormente, pois se entende que esta seria uma concorrência desleal com os outros licitantes que se prepararam corretamente.
3 - Finalmente... o que diz a Lei nº 14.133/21?
Como dito anteriormente, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei nº 14.133/21, nos possibilitou uma nova redação, admitindo, ao meu ver, o entendimento que o Tribunal de Contas da União vinha advogando ao longo dos anos:
Art. 64. Após a entrega dos documentos para habilitação, não será permitida a substituição ou a apresentação de novos documentos, salvo em sede de diligência, para:
I - complementação de informações acerca dos documentos já apresentados pelos licitantes e desde que necessária para apurar fatos existentes à época da abertura do certame;
II - atualização de documentos cuja validade tenha expirado após a data de recebimento das propostas.
E complementa:
§ 2º Quando a fase de habilitação anteceder a de julgamento e já tiver sido encerrada, não caberá exclusão de licitante por motivo relacionado à habilitação, salvo em razão de fatos supervenientes ou só conhecidos após o julgamento.
4 - Quando é indevida a inabilitação por falta de documento segundo o TCU?
Todavia, o maior desafio acerca desse tema foi acerca da grandíssima repercussão recente para o Acórdão 1211/2021 - Plenário do TCU (reiterado no Acórdão 2443/2021 Plenário), que trata a diligência como um dever (o que antes vista como uma decisão absolutamente livre do agente) mesmo quando o documento não foi juntado por “equívoco ou falha”, representando uma mudança de posicionamento do próprio tribunal, senão, veja-se:
Acórdão 1211/2021 Plenário (Representação, Relator Ministro Walton Alencar Rodrigues)
Licitação. Habilitação de licitante. Documentação. Documento novo. Vedação. Definição. A vedação à inclusão de novo documento, prevista no art. 43, § 3º, da Lei 8.666/1993 e no art. 64 da Lei 14.133/2021 (nova Lei de Licitações), não alcança documento ausente, comprobatório de condição atendida pelo licitante quando apresentou sua proposta, que não foi juntado com os demais comprovantes de habilitação e da proposta, por equívoco ou falha, o qual deverá ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro.
Ou seja, a interpretação do TCU vai além do art. 64 da Lei nº 14.133/21 para estabelecer a possibilidade de diligenciar a partir do erro do licitante e não apenas para complementar ou informar documento já juntado.
Esse entendimento, do meu ponto de vista, me parece promissor na busca proposta mais vantajosa; por essa razão, detém meu apoio na compreensão da diligência ser um dever, ou melhor dizendo, um “poder-dever” da administração.
Mas quando se trata da admissão de novos documentos não juntados anteriormente em razão de equívoco ou falha, esse precedente encontra certo impasse na interpretação dos certames na Administração Pública Federal e de outras entidades que seguem o Decreto nº 10.024/19, pois vai de encontro ao que dispõe o Decreto do Pregão:
Decreto nº 10.024/19, Art. 26. § 9º Os documentos complementares à proposta e à habilitação, quando necessários à confirmação daqueles exigidos no edital e já apresentados, serão encaminhados pelo licitante melhor classificado após o encerramento do envio de lances, observado o prazo de que trata o § 2º do art. 38.
É óbvio que o procedimento não encontra uma finalidade em si mesmo, antes, o objetivo da licitação é o melhor contrato, de modo que equívocos de habilitação que possam ser superados para garantir a melhor proposta é, como dito, um posicionamento promissor.
Porém, para que tal entendimento seja possível, é preciso que o decreto de licitações da entidade ou o regulamento tenha esse procedimento previsto expressamente para garantir segurança jurídica, inclusive para fins de compliance e governança pública.

5 - E aqui vem a segunda situação de inabilitação indevida
A nossa Constituição Federal vai dizer que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art.5º). No caso das licitações, a Lei em questão é a Lei nº 14.133/21, Lei nº 8.666/93 e demais leis em sentido estrito que tratam sobre o tema; o que não se aplica, por exemplo, a decretos, portarias, instruções normativas etc (caso essas sejam contrárias à Lei).
É muito comum verificarmos exigências de documentos que não foram requeridos na própria legislação.
Exemplo clássico: a exigência de alvará de funcionamento municipal (sem nenhuma justificativa plausível), conforme Acórdão 4182/2017 do TCU.
Nesse caso, mesmo que o licitante envie sua proposta sem tais documentos que a lei o desobriga, sua inabilitação não pode ocorrer exclusivamente por essa razão.
O fato de um documento estranho à legislação estar no edital é razão para uma impugnação prévia, mas se não foi retirado a tempo deve ser considerado como uma mera sugestão sem força vinculativa.
Em outras palavras, o licitante jamais pode ser inabilitado por não juntar um documento que foi exigido de forma ilegal no edital.
Resumindo, segue um quadro um pouco mais definitivo:

6 - Quando o pregoeiro/agente não deve aceitar a juntada de novos documentos?
Agora que há certo grau de clareza quanto às hipóteses em que a diligência é obrigatória, resta-nos fazer o caminho inverso, baseado nas decisões do TCU, para descobrir quando o pregoeiro deve afastar a possibilidade de juntada posterior de documentação.
Agora é que o leitor compreenderá porque a Lei nº 14.133/21 não usou a palavra "deverá" e, sim, "poderá" para as diligências: porque cabe ao pregoeiro analisar as peculiaridades e verificar se a juntada de documentos atende aos requisitos.
Afinal de contas, o TCU não abriu as portas para qualquer situação, inclusive, mesmo nas decisões citadas a decisão do pregoeiro em aceitar não foi validada por não preencher determinados requisitos legais.
Quando não há a condição pré-existente: o licitante não deixou de apresentar por erro: ele simplesmente não tinha a qualificação. Nessas situações, a ausência compromete a aferição da qualificação do licitante.
Exemplo 01: juntada posterior de um atestado de capacidade técnica de um serviço prestado em data posterior aquela prevista para a juntada da documentação.
Orientação: quando abrir a diligência, o pregoeiro ou agente deve se certificar de que o serviço realmente foi prestado antes da data prevista no edital, para tanto, solicitando provas complementares como as notas fiscais e buscar informações para além do que fora alegado pela empresa, entrando em contato com as autoridades que assinaram o documento .
Exemplo 02: após a diligência, o fornecedor somente apresenta declaração de comprovação de regularidade fiscal com emissão em data posterior a data prevista no edital. Esse documento só comprova a situação atual e não a "condição pré-existente". Caso ele estivesse irregular na data prevista em edital, trata-se de um erro insanável.
Orientação: nessas situações o pregoeiro/agente deve solicitar o documento que comprove a "condição pré-existente", ou seja, a documentação que prova que na data prevista no edital a empresa estava regular, pois o fornecedor pode ter pago os impostos só porque viu a possibilidade de vencer o certame, benefício este que só é franqueado para empresas ME ou EPP, conforme art. 42 da Lei Complementar nº 123/06.
Quando não houver vantajosidade: essa hipótese só deve ser aplicada quando a diferença entre a proposta do primeiro colocado e a do segundo forem insignificantes (como diferenças de centavos em propostas de milhões de reais) combinado com um certo grau de urgência na prestação do serviço ou fornecimento do produto, nessas situações, com a motivação adequada (ausência de vantajosidade significativa e urgência na contratação) é possível passar para o próximo colocado sem abrir diligências.
Orientação: o pregoeiro/agente deve procurar sempre fazer diligências, porém, se realmente não há dúvidas quanto à ausência de vantajosidade, bem como, há urgência na contratação; lembrando que o tratamento despendido para um deve ser estendido a todos os licitantes. Na dúvida, deve-se abrir diligência.
Quando o licitante perde o prazo da diligência: há um brocardo jurídico que diz "dormientibus non succurrit jus" ou "o direito não atende aos que dormem": se foi dado ao licitante o direito de complementar tais informações/documentos e este perde o prazo injustificadamente, não é adequado renovar esse prazo. Se o fizer, o agente/pregoeiro estará obrigado a dar duas oportunidades caso necessite fazer a diligência com outro licitante, além de poder ser interpretado como um favorecimento indevido.
Quando não há transparência e motivação: a diligência não é um processo paralelo ao da licitação, ao contrário, é uma fase prevista na lei e deve (como tal) ser publicizada para todos os demais concorrentes com a devida motivação. Nos acórdãos de 2021 que citamos, os pregoeiros foram penalizados não por aceitar a documentação, mas por fazê-lo sem a devida motivação.
Orientação: cabe ao pregoeiro/agente justificar a abertura da diligência em alguma das três hipóteses que listamos acima; ao final, dar publicidade e disponibilizar o documento para os demais licitantes poderem, inclusive, se insurgir mediante recurso.
Em suma, não cabe a juntada de novos documentos, quando:
Quando não há condição pré-existente;
Quando não houver vantajosidade;
Quando o licitante perde o prazo da diligência; e
Quando não há transparência e motivação.
Muito bem...
Espero que eu tenha trazido um pouco mais de clareza para você com esses exemplos todos.
Apesar de ser um assunto que deve ser abordado com certo cuidado, essa é a abordagem geral que você deve levar no bolso para todas os certames que participar.
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7 - Como citar esse artigo em suas petições e/ou decisões?
SILVA JÚNIOR, Adiel Ferreira da. Quando a inabilitação por falta de documento é indevida? (atualizado Lei nº 14.133/21). 17 de fev. de 2021. Disponível em: https://www.adielferreirajr.com/post/inabilitacaoindevida.
ola , boa noite. caso o licitante deixe de apresentar todos os documentos previstos em edital, e tambem nao apresentar a sua proposta final. A sua inabilitação estaria correta?
Fui inabilitado de uma licitação por não apresentar DECLARAÇÃO DE QUE CUMPRE OS REQUISITOS DE HABILITAÇÃO. Uma vez que a mesma estava no envelope de habilitação lacrados. Isso é motivo por tal inabilitação?
Fui inabilitado de uma licitação por não conter uma declaração que não emprega menor, isto pode ser motivo para tal?
BOA NOITE ,PARTICIPEI DE UMA TOMADA DE PREÇOS E FUI INABILITADO POR NAO TER APRESENTADO A CERTIDAO DO PROFICIONAL ENGENHEIRO RESPONSÁVEL APRESENTEI O CONTRATO COM O MESMO A CERTIDÃO DE REGISTRO NO CREA CONSTA ELE COMO RESPONSAVEL PELA EMPRESA. E LEGAL INABILITAR SO POR FALTA DA CERTIDAO DO PROFICIONAL?
EM UMA TOMADA DE PREÇO, ONDE SE TEM UM CRC APROVADO E DENTRO DA DATA DE VALIDADE COM TODOS OS DOCUMENTOS. PODE A COMISSÃO INABILITAR POR FALTA DE DOCUMENTO, SENDO QUE A PRÓPRIA ADMINISTRAÇÃO TEM SOB SUA POSSE O CADASTRO DA REFERIDA LICITANTE?