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A nova Lei de Improbidade Contra a Idolatria dos Princípios

As inovações que foram promovidas pela Lei nº 14.230/21 na Lei de Improbidade Administrativa (LIA) ainda renderão muitas discussões, em especial, as mudanças do art. 11 (atos que atentam contra os princípios da administração) por conta do rol de hipóteses que passou a ser taxativo e a exigência de dolo para configuração do ato (caput).

 

Pois bem. No âmbito da Administração Pública, os princípios sempre tiveram um espaço superestimado; mesmo o posicionamento de Celso Antônio Bandeira de Mello ao dizer que “violar um princípio é mais grave do que transgredir uma norma” (2017, p. 53) não justifica o posicionamento exagerado que tais mandamentos possuem na atualidade.

 

Essa “idolatria” dos princípios, fez com que estes exercessem, historicamente, o papel de "chancela" para uma decisão administrativa: como se peticionar ou decidir sem citar pelo menos uns três princípios (mesmo com normas claras aplicáveis) tornaria a fundamentação incompleta. Soma-se a isso o fato do texto original da LIA prever a penalização para a violação de princípios sem estabelecer as tipicidades e sem exigir dolo.



Perigoso, portanto, era o risco de improbidade que dois ou três princípios em direções opostas poderiam trazer ao intérprete, principalmente porque estes princípios não são absolutos, necessitando de ponderação em sua aplicação. Essa ponderação, todavia, nem sempre é algo fácil.

 

Tome-se como exemplo um processo licitatório, onde a empresa "Alfa" apresentou o preço mais baixo, e foi chamada para apresentar seus documentos. Entretanto, esses documentos não estavam na ordem e numeração exigida no edital e ela foi inabilitada. Pelos mesmos motivos, o pregoeiro inabilitou a empresa “Beta” que estava em segundo lugar. Só que, dessa vez, o pregoeiro percebeu que essa era uma exigência formal e que poderia afastá-la ex officio; por fim, com base no princípio da “competitividade” decidiu aceitar os documentos da empresa “Beta” e a declarou como vencedora.

 

Com a declaração da empresa “Beta” como vencedora, a empresa “Alfa” apresentou Recurso Administrativo por violação ao princípio da "igualdade". Por sua vez, a empresa “Celta” (terceira colocada) também apresentou um Recurso Administrativo invocando o princípio da "vinculação ao edital".

 

É certo que os três princípios (competitividade, igualdade e vinculação ao edital) são perfeitamente aplicáveis, mas não sem a devida ponderação; ao resolvermos essa questão em nossas classes, entendemos que o princípio da igualdade se impõe para habilitar a empresa "Alfa" uma vez que ela possui a proposta mais vantajosa (que é um dos objetivos do processo licitatório).

 

No entanto, questiona-se: se o pregoeiro tivesse mantido sua decisão inicial (interpretar o edital literalmente) ou tivesse habilitado apenas a empresa “Beta” (propondo um comportamento contraditório), sem objetivo doloso, estaria incorrendo em Improbidade Administrativa? Seria justo perder seus direitos políticos, ser afastado do cargo e ainda pagar multa?  

 

Dessa forma, as mudanças da LIA são bem-vindas pois é preciso que a pressão da sanção do Estado pese sobre os ímprobos, e não sobre aqueles que apenas precisam de instrução; com efeito, o exemplo acima apenas ilustra que a tomada de decisões na Administração Pública quase nunca é uma tarefa fácil.

Em suma, se alguém deseja frustrar os objetivos de interesse público através de atos que atentam contra os princípios da administração, condena-se. Se alguém precisa de instrução, se ensina.

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